Cumbersas do Zé Duvinho

De narizes avermelhados, corpos ancorados ao balcão, quase sempre em monólogo, gritam prosas... indigestas para a grande maioria.

Quem trabalha ao balcão desespera pelo silêncio e fica com a certeza que algumas bebidas são mesmo... espirituosas.

 

“… Passam a imagem de seres extraterrestres... (pausa enquanto fita os clientes com a palavra a zumbir-lhe nos ouvidos)... agressivos e prontos a dominar o planeta… porque eles lá sabem o que a consistência vai pesando (e dobrava-se sob um peso imaginário). Assim, até parece haver quem seja pior que nós para com os animais!”

“... pois, pois… (dizia para outro) por isso a oportunista da memória... Tony. Senão vê: quem hoje compromete-se com o uso da tradicional e “palavra de honra”? Foi extinta meu…. Faz mais... olha... de 36 anos…”

“... e os direitos daqueles que pagam com a vida os interesses dos outros? Hã...Com que direito os tipos... os representantes... (soluço e uma tosse cabernosa de tabaco)... os barões... de alguns fazem do meu voto em branco, o voto para o massacre de pessoas que nasceram do lado errado do planeta?
Que vítimas são essas que não entram nas estatísticas.... (mais tosse)... dos bons.... dos bons... (pausa. Como se não encontrasse palavra) ... das grandes honras e discursos... das tangas? Porque falam só de racismo descolorido? Porque... ladrão é quem fica ao portão... como o que deita a mão! Ou não é? É ou não é? (o empregado atarefado não ligava) O que se faz, enquanto se decepam braços... eu vi... nas reportagens... Historisseia ou lá o que foi... vi pois... e dedos... a crianças... e a adultos.... só para se poderem vingar... ouviu? (... uma vez mais, o álcool pela goela, bate, tal ponto final, com o copo no balcão e sai, para alívio dos presentes).

“... e os retornados? De que é feita a sua memória? (vacilante e já com várias camadas de tinto) O que é feito dos seus haveres? Em que espécie se tornaram? Em quem ainda votam? Já foram “demagogi(soluço)nados”? Já estão extintos!? (...pumba. Copo no balcão. Oh Zééé… bota aí… cheeeeiiiio) Claro, que convém (continua). Onde estarão os restos desses retornados que se fartaram de explorar… (verte o copo no balcão). F...daaaa-seeee! Meu rico dinheirinho. Apareçam senhores…Oh Zé… enche!… (vira-se e fita-me já com os olhos da cor do tinto) ... Tás a olhar pra mim oh… é verdadeeee! Todo o mundo sabeeee... E ninguém faz nadaaaa! (… esvazia de uma só vez o copo, atira uma moeda para o balcão, aponta à porta e sai feito um tiro, sinuoso até que para à porta e grita lá para fora...) Tonyyyyy. Vamos pá festa pá. Hãã?!.... Pagas tu meu cabrão!”... Hoje é o dia do português...
 

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